Hoje quem vai escrever pra vocês é o Mark Farner, fundador do grupo Grand Funk Railroad. O GRF é uma banda americana de hard rock que não estourou tanto quanto os ingleses do Zeppelin, do Purple e do Sabbath, aqui no Brasil. Injustamente. É fenomenal. Enfim... O velho Mark tem muito a falar.
“Sobre questões sentimentais”
Começo de 1970. O Grand Funk estava no início... Tínhamos lançado o “On time” e o “Grand Funk”. “Closer to home” estava praticamente pronto. Em meio a uma turnê, soubemos a notícia de que nosso primeiro álbum chegara a disco de ouro. Tudo isso era demais... Festas, shows lotados, rock´n roll. Don e Mel, meus parceiros de banda, aproveitavam cada segundo. Todos os dias apareciam com 4 ou 5 mulheres lindas, cada um. Curiosamente, eu, que era o frontman do GFR, sempre fui meio diferente do estereótipo do “rock star”. Sempre cultivei relações firmes, mesmo enquanto jovem. Claro que vez por outra acontecia e tal... Também não era santo. Curtia mesmo era compor, tocar e, às vezes, tomar uns porres.
Pois justo quando estamos em meio a esse turbilhão de novidades da turnê, eis que chega a notícia: Um dos meus grupos preferidos na época, o Vanilla Fudge, anunciara, em clima amistoso, o encerramento de suas atividades. Fiquei perplexo, o grupo era extremamente promissor, me influenciara muito na maneira de escrever canções. O problema é que os caras estavam em outra viagem, que acabou gerando outro grupo fantástico, o Cactus. Mas, bem, isso é outra história. O que acontece é que o Vanilla Fudge anunciou um concerto de despedida. E eu, mesmo estando em turnê, não ia perder.
Dia 14 de março de 1970, Phil Basille's Action House, estava eu lá no camarim. A parte boa de fazer sucesso é que você acaba tendo acesso a pessoas que antes julgava inatingíveis. Estavam lá Tim Bogert, Carmine Appice, Vince Martell e meu xará Mark Stein. Do outro lado do enorme aposento, 4 garotas se preparavam para o número de abertura, uma fantástica canção psicodélica chamada “You keep me hanging on”, na qual havia uma performance de dança. Nessa hora eu consegui esquecer até meu nome. Uma delas emanava uma energia estranha, que me atraiu imediatamente. Sei lá o que era isso, fiquei totalmente petrificado. Eu, que pouco tempo antes terminara um relacionamento de alguns anos, me vi confuso, perturbado. Vince, que observava tudo à distância, se aproximou com um sorriso besta na fronte: “Conhece a Lily?”.
Lily, pelo que soube por Vince, era uma self-made woman. Independente e tal. Estava saindo de um casamento e queria liberdade, curtir, queria rock´n roll. Mas o que ela não sabia é que, na verdade, não precisava ir atrás de rock´n roll. O rock´n roll é que viria até ela, através de mim. E isso ficou muito claro a partir do momento em que a gente se olhou. Foi diferente. Foi como nunca tinha sido. O rock tava ali, ao alcance dos braços dela.
Esse dia mudou minha vida pra sempre. Lembro-me como se fosse nessa última sexta-feira... Eu e Lily nos olhando durante o show inteiro, até que, durante a última música, eu, num ímpeto, cheguei pro Mark Stein: “Cara, me deixa tocar uma música minha com vocês?”.
Mark me olhou estranho, mas consentiu. Peguei a guitarra com Vince, ajeitei o pedestal do microfone e dedilhei um si menor. Ia tocar minha música preferida, feita quando terminei meu relacionamento anterior, “Heartbreaker”. O Grand Funk tinha gravado ela no “On time”. Só que, apesar de ter sido feita nessas circunstâncias, a canção, agora, tinha um sentido completamente diferente.
“Once I had a little girl...”
Não, não.
O que fazia sentido agora era...
“I don´t cry no more. I live while I´m flying.”
Qual não foi minha surpresa ao ver Lily adentrar o palco e começar a cantar comigo, dividindo o mesmo microfone.
“Heartbreaker.”
Nessa hora não tinha mais banda, não tinha mais público. Apenas Lily e eu, hipnotizados, cantando um pro outro. Uma cena que nunca poderia ser sequer imaginada. Os olhos, tão próximos, soltavam faíscas. A expressão não era outra senão de êxtase. Total. Completo. Absurdo. Ao fim do número, a platéia calou num silêncio aterrador. Foram alguns segundos eternos. Depois disso, o lugar veio abaixo em vivas e palmas. Mais que um número musical, aquelas pessoas presenciaram a certeza de que o amor existia. E que isso poderia muito bem estar dentro do rock´n roll.
Final de maio, 2009, estou sentado em frente ao computador, escrevendo um pouco da minha história. Lily está deitada aqui ao meu lado, dormindo serena. Na vitrola, o velho vinil “Sheer heart attack”, do Queen. O mesmo que, ainda nos anos 70, ganhei de presente do meu grande amigo Freddie Mercury (que Deus o tenha). Na capa, escrito a caneta, o agradecimento por, durante um porre, ter lhe dado a idéia para uma das mais belas canções que compôs, “Lily of the Valley”. É, a felicidade pode aparecer quando não se espera, mesmo. Fico relembrando aqui o dia após aquele show, em março de 70... Ouvindo, numa antiga vitrola, o lado B do disco 1 do Álbum Branco dos Beatles. Um dia chuvoso. Martha my dear. Love you forever and forever, I will. E eu estava confuso... aquela chuva toda, e as coisas acontecendo tão bonitas e eu acho que a gente já se amava. No fim das contas we were only waiting for that moment to arise.
Blackbird, fly.
Mark Farner