Anoiteceu, o sino gemeu e a gente ficou feliz a rezar. É... Os anos vão passando e a noite de Natal da minha família teima em sustentar certas práticas. Antigamente era muito bonito, todo aquele reboliço, muita gente reunida, família, amigos. E as crianças? Ah! As crianças... Os pequeninos, entre eles eu, todos de roupa nova, cabelo bem penteado e munidos daquele olhar inconfundível de quem está à espera do primeiro descuido pra enfiar a mão na comida.
Hoje em dia não. Hoje juntam-se três ou quatro gatos pingados, entre eles eu, ao redor de uma mesa, com um pernil daqueles de supermercado, uma farofa pronta e uma caixa de cerveja quente. Lá para as tantas, um ou outro já debruçado sobre a salada, dois ou três brigando por conta de futebol e as mulheres todas bocejando, metade com o filho dormindo no colo, metade dormindo sem notar que os filhos estão a se digladiar com maionese e molhos nobres (de supermercado).
Quando me lembro dos bons tempos e comparo com os últimos anos me dá um aperto no coração. Dá uma saudade do tempo em que eu acordava no dia 24 de dezembro e ia direto mexer nos presentes. Dá saudade até mesmo dos cascudos que levava, sempre acompanhados de um breve castigo, por não ter resistido à curiosidade. Perto da hora do almoço, papai sempre colocava Assis Valente pra tocar na radiola, e eu sempre achava besta aquela história de “Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar”. Ué, o que diabos felicidade tinha a ver com Papai Noel? Felicidade pra mim, um consumista nato desde a mais tenra idade, era quando Papai Noel trazia todos os presentes que eu tinha pedido, todos os carrinhos, bonecos e figurinhas. Vai ver que era isso mesmo, eu que não percebia.
O sol ia se pondo e começava o pandemônio dentro de casa: O arroz à grega queimava, mamãe em tempo de endoidecer na cozinha e meu pai chegava com meus tios, uns cinco amigos do futebol, todos bêbados, e um peru debaixo do braço. Quem vai matar o bicho? A empregada corria horrorizada, mamãe corria atrás da empregada e eu corria atrás do bicho com um pedaço de pau em riste, preparando o golpe fatal. Eu acabava sempre acertando meu pai, o que me rendia mais alguns cascudos. O peru fugia como podia, mas sempre chegava um dos meus tios e, muito solícito, dava cabo do pobre.
Começava a ceia, os adultos todos conversando daquele jeito monótono, Assis Valente, tudo muito tranqüilo. Depois de um tempo, acaba um vinho, abre outro... A festa começava a ficar divertida. Sempre tinha alguma tia bem perua que reclamava do vinho, que o pernil estava cru, que a salada estava ruim. Mamãe ficava possessa, dizia que era inveja, papai tentava acalmá-la, minha avó se metia... Estava feita a algazarra, as crianças correndo em volta da mesa, derrubando copos, os adultos bebendo, ora abraçados, ora brigando ferozes, uma animação só.
Hoje, quando muito, se vê um ou outro barraco, de proporções infinitamente inferiores. Sempre tem um filho que está no Canadá fazendo intercâmbio, uma filha que viajou com o namorado, um irmão que não conseguiu folga no trabalho... Restam apenas você, sua esposa, que invariavelmente está com enxaqueca e cara de tédio, seu filho mais novo, acompanhado da namorada (também com enxaqueca e cara de tédio) e um ou outro amigo, que chega atrasado e sempre esquece de trazer o arroz.
O natal, definitivamente, está perdendo a graça, saindo de moda. As pessoas preferem ficar em casa, no máximo se telefonam pra desejar boas festas. As crianças, ao invés de correr quebrando copos, ou ainda assistir à missa do galo, ficam na internet. Sua filha está acampando com o namorado, Deus sabe onde. Seu filho mais velho, no exterior. Sua mulher, com enxaqueca, foi dormir. E você sozinho, arrumando a pouca bagunça que restou da noite. É, o natal ficou triste com a modernidade.
quinta-feira, 25 de dezembro de 2008
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Constatações
*Atualizar um blog na época de Natal é osso.
*Nelson Rodrigues era apenas um pobre menino ingênuo.
*Amanhã tem crônica natalina.
*Deixa eu ir, que tô no trabalho.
=*
*Nelson Rodrigues era apenas um pobre menino ingênuo.
*Amanhã tem crônica natalina.
*Deixa eu ir, que tô no trabalho.
=*
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Melhor, Circus of Heaven.
The day the Circus of Heaven came to town
Local folks lined the streets in a Midwestern town
Waiting anxiously for the parade to begin all around
On the very last day
A unicorn headed the mystical way
Surrounded by what seemed a thousand golden angels at play
Behind were Centaurs, elves, bright fairies all in colours of jade
On the very final day
For what seemed only just a moment in time
Seven solemn flying silvered regal horses rode by
Seven golden chariots in tow, a wonder to behold
The Seven Lords of the Mountains of Time
There then arose where nothing really stood there before
A giant tent rising one thousand feet high frofrom the floor
Towns people flocked inside with their eyes all amazed
To greet the Seventh Lord of the seventh age
A fanfare rang out in an incredible sound
Bringing out the strangest visions perfect harmony round
Any dreams he asked would they like to have seen
From historical or mythical scenes
Then there above their heads just as vivid as life
Each vision transported multitudes inventing light
Grecian galleons, the sack of Troy, to the Gardens of Babylon
A play of millions roared along
The gigantic dreams of Alexander the Great
Civil wars where brothers fought and killed their friendship with hate
All seen by Zeus performing scenes in the magical way
The day the circus came to town
Outside great animals as tame as the trees
Angels high in starlight dancing streets
Turning their colours with indigo and gold
Dropping violet, red and emerald snow
As the circus finally changed its invisible course
A new world to be found
On the dreamy ground we walked upon
I turned to my son and said
"Was that something beautiful, amazing, wonderful, extraordinary
beautiful?"
"Oh! It was OK!! But there were no clowns, no lions, tigers or bears,
candy-floss, toffee apples, no clowns."
Local folks lined the streets in a Midwestern town
Waiting anxiously for the parade to begin all around
On the very last day
A unicorn headed the mystical way
Surrounded by what seemed a thousand golden angels at play
Behind were Centaurs, elves, bright fairies all in colours of jade
On the very final day
For what seemed only just a moment in time
Seven solemn flying silvered regal horses rode by
Seven golden chariots in tow, a wonder to behold
The Seven Lords of the Mountains of Time
There then arose where nothing really stood there before
A giant tent rising one thousand feet high frofrom the floor
Towns people flocked inside with their eyes all amazed
To greet the Seventh Lord of the seventh age
A fanfare rang out in an incredible sound
Bringing out the strangest visions perfect harmony round
Any dreams he asked would they like to have seen
From historical or mythical scenes
Then there above their heads just as vivid as life
Each vision transported multitudes inventing light
Grecian galleons, the sack of Troy, to the Gardens of Babylon
A play of millions roared along
The gigantic dreams of Alexander the Great
Civil wars where brothers fought and killed their friendship with hate
All seen by Zeus performing scenes in the magical way
The day the circus came to town
Outside great animals as tame as the trees
Angels high in starlight dancing streets
Turning their colours with indigo and gold
Dropping violet, red and emerald snow
As the circus finally changed its invisible course
A new world to be found
On the dreamy ground we walked upon
I turned to my son and said
"Was that something beautiful, amazing, wonderful, extraordinary
beautiful?"
"Oh! It was OK!! But there were no clowns, no lions, tigers or bears,
candy-floss, toffee apples, no clowns."
(Jon Anderson)
sábado, 6 de dezembro de 2008
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
O verbo esquecer.
É o meu preferido. Conjugo ele a todo momento. Em todos os tempos verbais.
Eu esqueço, esqueci, esquecerei. Sempre.
Mas, dadas as atuais circunstâncias, acho que nem disso vou lembrar. Melhor escrever.
Eu esqueço, esqueci, esquecerei. Sempre.
Mas, dadas as atuais circunstâncias, acho que nem disso vou lembrar. Melhor escrever.
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
Tréplica
A vitrola me conquistou logo de cara. E me rendeu a primeira constatação: Preciso de uma com urgência. Tenho uma coleção invejável de vinis, que ganhei de papai. Eles precisam ser ouvidos.
Dois: Não há motivo para preocupações. Forró, mesmo o mais nojento, serve pra dançar. É uma coisa meio irracional, selvagem. Dançar forró é muito bom.
Três: Eu, definitivamente, não sou modesto. Tanto não sou, que sei dos meus defeitos e os preservo. Um deles é não ser muito fã de vinho. Imagino que seria uma pessoa melhor se tomasse vinho. Né? Mas eu vou aprender. Promessa.
Quatro: Não, eu não sou modesto.
Cinco: Smirnoff Ice é muito bom. Esses dias mesmo tomei umas 10, em casa. Só que lá pras tantas fica meio enjoativo.
Seis: Tem uma banda legal, que descobri esses dias. É inglesa, dos anos 70. Como nunca ouvi falar? Eu, hein... (Olha eu me achando de novo). Chama-se Judas Jump. Podem procurar.
Sete: Nada não... mas gosto do número sete.
Dois: Não há motivo para preocupações. Forró, mesmo o mais nojento, serve pra dançar. É uma coisa meio irracional, selvagem. Dançar forró é muito bom.
Três: Eu, definitivamente, não sou modesto. Tanto não sou, que sei dos meus defeitos e os preservo. Um deles é não ser muito fã de vinho. Imagino que seria uma pessoa melhor se tomasse vinho. Né? Mas eu vou aprender. Promessa.
Quatro: Não, eu não sou modesto.
Cinco: Smirnoff Ice é muito bom. Esses dias mesmo tomei umas 10, em casa. Só que lá pras tantas fica meio enjoativo.
Seis: Tem uma banda legal, que descobri esses dias. É inglesa, dos anos 70. Como nunca ouvi falar? Eu, hein... (Olha eu me achando de novo). Chama-se Judas Jump. Podem procurar.
Sete: Nada não... mas gosto do número sete.
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
Um pensamento rápido.
Eu sou mó novato nesse negócio de blog... mas tenho uma pergunta:
Sou só eu, ou todo mundo pensa assim: "Porque ninguém comenta nessa porcaria?"
Hahahahahahahaha.
Só eu mesmo, pra reclamar sozinho.
Sou só eu, ou todo mundo pensa assim: "Porque ninguém comenta nessa porcaria?"
Hahahahahahahaha.
Só eu mesmo, pra reclamar sozinho.
Um estranho no ninho
Meu dia começa assim: Perto das sete o despertador toca e eu, preguiçoso, dou-lhe um sonolento tapinha para que deixe de me importunar. Quando o tempo de enrolação chega ao limite, resolvo ceder aos apelos de meu estridente companheiro e me levanto. Gosto de me alongar. Vou calmamente testando meus movimentos, com cuidado para não sucumbir a uma possível soneca que me caia com os cílios abaixo. Todos os movimentos estão ok, as articulações funcionando, a vista alcança até mais do que precisa. Tomo um banho, me arrumo e vou à universidade, munido, é claro, do meu inseparável e high-tech Mp3 player. Sou, pois, um jovem. Teoricamente.
Pois é... Apesar da vista boa, das articulações intactas e de todos os high-techs e Mp3 players, eu sou um jovem apenas teórico. Graças a quê? Às minhas preferências musicais, literárias, cinematográficas, acadêmicas...
Incrivelmente, deu na cabeça das pessoas que todo tipo de expressão cultural necessita de um prazo de validade. Além disso, como se fosse pouco, não apenas é expressamente proibida a audição ou leitura de obras mais antigas, como o herege que se atrever a consumar tal ato está fadado a “incorporar” a idade do material que porventura tenha em mãos.
Sendo prático, muito me estranha ouvir de um amigo:
- Bom dia! O que você está ouvindo aí no seu mp3?
E eu:
- Oi! É o primeiro dos Novos Baianos. Muito bom.
Então...
- Credo! Que coisa de velho!
Aí está, acabaram de me tirar algo muito importante. Das duas uma: Ou não se pode mais ouvir música que não esteja nas paradas de sucesso, ou estão me “expulsando” da minha idade. Ora, daqui a pouco vão me obrigar a usar uns óculos daqueles com as lentes bem grossas, andar com uma fralda geriátrica ou algo que o valha. Aos 22.
Ora, tudo bem que velhice não seja, necessariamente, sinônimo de qualidade, mas daí a limitar-se a lançamentos, em qualquer área, é, no mínimo, um ato de negligência. Quase tudo que é lançado com o nome de novidade, e isso é fato, não passa de uma simples releitura ou, mais raramente, um aprimoramento dos grandes clássicos, seja na música, literatura ou até mesmo na academia. Parece-me muito mais interessante conhecer uma determinada expressão cultural em sua essência do que degustar uma releitura pasteurizada, o que, aliás, se encontra por aí muito facilmente.
O culpado de tudo isso certamente é meu pai, que desde o berço me criou regado a doses de Beatles, Yes, Mutantes. Eis que resolvo visitá-lo por esses dias e, entre uma cerveja e outra, puxo o assunto. Faço toda uma defesa da boa música, dos gloriosos anos 70, dos filmes de Fellini, Louis Malle, Buñuel, Polanski. Falo ainda do preconceito que sofro, por conta de ter uma - pretensa, diga-se - visão mais ampla das artes em geral, e aproveito para alfinetar essa “juventude mal-assessorada” dos dias de hoje, que gosta desses forrós eletrônicos, das micaretas da vida, que perde tempo assistindo programas de gosto duvidoso na televisão, etc, etc, etc. O que papai me responde?
- Meu filho, você está parecendo um velho, falando!
Antes de desmaiar ainda pude ouvi-lo, que tão bem me ensinou a pensar assim, dizer:
- Você precisa dar uma ouvida nesse pessoal novo da black music, nos rappers... Tão aí fazendo o maior sucesso!
O que eu pude concluir disso? Já estava quase encomendando uns óculos (5 graus, no mínimo, de cada lado), juntando um dinheiro para os remédios e pensando no futuro dos meus netinhos quando me deparei com uma frase do genial (e falecido há muitos anos) pintor Pablo Picasso: “Leva-se muito tempo para ser jovem”. Foi aí que eu percebi que, realmente, eu sou um estranho no ninho. Mais uma vez com pretensão – e, claro, um orgulho enorme – me senti jogando no time de Picasso e de meu pai, figuras que tanto admiro. Pessoas normais nascem jovens e morrem velhas. É o curso natural da vida. Pessoas anormais – como papai, Picasso e eu – Nascem velhas para, depois, descobrirem a juventude.
Pois é... Apesar da vista boa, das articulações intactas e de todos os high-techs e Mp3 players, eu sou um jovem apenas teórico. Graças a quê? Às minhas preferências musicais, literárias, cinematográficas, acadêmicas...
Incrivelmente, deu na cabeça das pessoas que todo tipo de expressão cultural necessita de um prazo de validade. Além disso, como se fosse pouco, não apenas é expressamente proibida a audição ou leitura de obras mais antigas, como o herege que se atrever a consumar tal ato está fadado a “incorporar” a idade do material que porventura tenha em mãos.
Sendo prático, muito me estranha ouvir de um amigo:
- Bom dia! O que você está ouvindo aí no seu mp3?
E eu:
- Oi! É o primeiro dos Novos Baianos. Muito bom.
Então...
- Credo! Que coisa de velho!
Aí está, acabaram de me tirar algo muito importante. Das duas uma: Ou não se pode mais ouvir música que não esteja nas paradas de sucesso, ou estão me “expulsando” da minha idade. Ora, daqui a pouco vão me obrigar a usar uns óculos daqueles com as lentes bem grossas, andar com uma fralda geriátrica ou algo que o valha. Aos 22.
Ora, tudo bem que velhice não seja, necessariamente, sinônimo de qualidade, mas daí a limitar-se a lançamentos, em qualquer área, é, no mínimo, um ato de negligência. Quase tudo que é lançado com o nome de novidade, e isso é fato, não passa de uma simples releitura ou, mais raramente, um aprimoramento dos grandes clássicos, seja na música, literatura ou até mesmo na academia. Parece-me muito mais interessante conhecer uma determinada expressão cultural em sua essência do que degustar uma releitura pasteurizada, o que, aliás, se encontra por aí muito facilmente.
O culpado de tudo isso certamente é meu pai, que desde o berço me criou regado a doses de Beatles, Yes, Mutantes. Eis que resolvo visitá-lo por esses dias e, entre uma cerveja e outra, puxo o assunto. Faço toda uma defesa da boa música, dos gloriosos anos 70, dos filmes de Fellini, Louis Malle, Buñuel, Polanski. Falo ainda do preconceito que sofro, por conta de ter uma - pretensa, diga-se - visão mais ampla das artes em geral, e aproveito para alfinetar essa “juventude mal-assessorada” dos dias de hoje, que gosta desses forrós eletrônicos, das micaretas da vida, que perde tempo assistindo programas de gosto duvidoso na televisão, etc, etc, etc. O que papai me responde?
- Meu filho, você está parecendo um velho, falando!
Antes de desmaiar ainda pude ouvi-lo, que tão bem me ensinou a pensar assim, dizer:
- Você precisa dar uma ouvida nesse pessoal novo da black music, nos rappers... Tão aí fazendo o maior sucesso!
O que eu pude concluir disso? Já estava quase encomendando uns óculos (5 graus, no mínimo, de cada lado), juntando um dinheiro para os remédios e pensando no futuro dos meus netinhos quando me deparei com uma frase do genial (e falecido há muitos anos) pintor Pablo Picasso: “Leva-se muito tempo para ser jovem”. Foi aí que eu percebi que, realmente, eu sou um estranho no ninho. Mais uma vez com pretensão – e, claro, um orgulho enorme – me senti jogando no time de Picasso e de meu pai, figuras que tanto admiro. Pessoas normais nascem jovens e morrem velhas. É o curso natural da vida. Pessoas anormais – como papai, Picasso e eu – Nascem velhas para, depois, descobrirem a juventude.
Hoje.
Hoje eu, num mau-humor danado, nem queria escrever nada. Só uma foto bonita mesmo, pra melhorar meu ânimo. Achei um artigo (artigo?) meu de uns tempos atrás. Apesar de "velho" ainda está novo. E fala disso.
-Vamos a ele?
(em coro) - Vamos!
-Vamos a ele?
(em coro) - Vamos!
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Um dia desses.
Três e meia. Marinésio se despede dos carros, mansões e cervejas na praia e olha de lado. A mulher emana um ronco compassado, discreto, até. No chão, ao lado da cama, um colchonete abriga castelos, princesas e fadas, além das duas filhas. Levanta ainda inebriado pela riqueza inconsciente. Lava o rosto e vê a ilusão descer ralo abaixo. Pensa: “Tá tarde”.
Os amendoins e castanhas estão embalados desde a véspera, como de costume. Junta tudo num só volume, um fardo. Calça o sapato com a sola solta, põe duas broas de milho na bolsa surrada, pede proteção ao céu e sai.
Ao ganhar a rua, Marinésio anda olhando pro chão. O céu já está indeciso, multicor. Atravessa ruelas de barro irregulares, o fardo pesando. Na vista, apenas casebres com a porta fechada. E vai, vai. Ao passar a BR, senta no meio-fio e espera a condução. Com o céu já lilás ele sobe no “Tambaú” lotado.
A viagem- sim, viagem- é turbulenta. Com o saco de amendoins e castanhas entre as pernas, Marinésio luta para não adormecer de pé. O calor se aproxima. Numa freada brusca, o equilíbrio pede licença. Ah, não fosse a senhora gorda sentada ao lado... Ótimo amortecedor. Depois de muitas desculpas e caras feias a viagem segue.
Quando nosso ambulante desembarca na praia de Tambaú já são quase seis e meia. Ele apruma o peso da mercadoria nas costas e começa a peregrinação pela orla pessoense. De cara, encontra um casal de idosos caminhando. A última coisa que um casal de idosos compraria durante um cooper seria um saco de amendoins, não é? Mas são almas boas, se compadecem de Marinésio e compram não um, mas três saquinhos. E agora? Não tem troco.
-Pode ficar, não tem problema.
Nosso herói agradece a gentileza com um sorriso desfalcado e segue seu rumo. E vão surgindo turistas, mais gente caminhando, concorrentes, crianças de patinete. O calor aumenta, o fardo pesa. Ele olha pro sol como quem implora por piedade, os olhos ardem muito. E segue, segue.
Quando imagina que passou das onze horas, Marinésio, que há muito arenga com uma pontada no estômago, resolve parar pra comer as broas de milho. Pede água num boteco, e o garçom, abusado, enche um copo na torneira. Enquanto mastiga as broas sem gosto, Marinésio pensa: “Hoje vai dar certo!”.
Após o desjejum, a caminhada continua. E vendendo mais, mais, mais. O fardo vai ficando mais leve, o bolso, mais pesado. Enquanto percorre o calçadão, vê uma boneca de plástico jogada, já toda retorcida pelo sol. Lembra das filhas em casa, disfarça a vergonha e se abaixa para pegar o brinquedo, guardando-o na bolsa. Por volta das duas da tarde o calor aperta, impiedoso. Marinésio pára e contempla o mar pela primeira vez, desde que começou sua jornada de hoje. Sente a brisa aliviar as chicotadas do astro-rei, mas é só ilusão. Logo o castigo recomeça. E o pobre vendedor vai andando mais devagar, quase se arrastando. A boca árida pede clemência. Junto de uma lufada de ar, vem um punhado de areia, que incomoda bastante. Um turista estrangeiro observa, penoso, o calvário de Marinésio. Aproxima-se e, por meio de gestos, dá a entender que pretende comprar o restinho de sua mercadoria. Nem era muita coisa, mas fazia tempo que o fatigado ambulante não tinha essa sensação de dever cumprido. Vendera tudo.
Pensava na volta pra casa, mas sentia as pernas desobedientes. Estava totalmente sem forças, acabado, derretido pelo sol. Sentia-se tonto. De repente, como que por mágica, tudo parou. Marinésio teve um pensamento, acompanhado de um calafrio. Nada mais importava, nem o sol, nem o mar, nem o brilho das estrelas. Foi como um lapso temporal, uma sensação indescritível. Ele reuniu o resto do ânimo que tinha e marchou apressado até a barraca defronte. Sob o olhar maldoso dos funcionários, pensou, pensou, pensou; fez contas e mais contas intermináveis. Depois de muito confabular consigo mesmo, meteu as mãos nos bolsos e tirou toneladas de moedas, jogando-as em cima da mesa mais próxima. Sentou-se, piorando ainda mais o semblante dos garçons, e começou a contar aquela infinidade de centavos tão suados. Contou, recontou, conferiu, conferiu de novo, e mais uma vez, e outra, e outra. Então o tempo parou novamente. Se me perguntassem o que é felicidade eu precisaria de uma foto. Uma foto desse momento. Eu, certamente, teria muitas dúvidas sobre o que é medo, apreensão, tristeza... Mas felicidade, agora, seria muito fácil de exemplificar. Marinésio olhou para o garçom que já vinha em sua direção, para expulsá-lo. Olhou com um brilho tão intenso nos olhos que o rapaz estremeceu. Abriu um sorriso tão lindo, mas tão lindo, que, daquele jeito, nunca houvera sido registrado nas praias da Filipéia. Estava longe de ser plástico, é bem verdade. Um sorriso estragado, falho, desfalcado; lindo, sincero, contagiante. Nessa hora o sol amenizou-se, a brisa soprou fresca, o barulho da rua cessou e o mar ficou ainda mais bonito. Marinésio, domando sua euforia da melhor maneira que era possível, conseguiu apenas murmurar:
-Uma cerveja.
Os amendoins e castanhas estão embalados desde a véspera, como de costume. Junta tudo num só volume, um fardo. Calça o sapato com a sola solta, põe duas broas de milho na bolsa surrada, pede proteção ao céu e sai.
Ao ganhar a rua, Marinésio anda olhando pro chão. O céu já está indeciso, multicor. Atravessa ruelas de barro irregulares, o fardo pesando. Na vista, apenas casebres com a porta fechada. E vai, vai. Ao passar a BR, senta no meio-fio e espera a condução. Com o céu já lilás ele sobe no “Tambaú” lotado.
A viagem- sim, viagem- é turbulenta. Com o saco de amendoins e castanhas entre as pernas, Marinésio luta para não adormecer de pé. O calor se aproxima. Numa freada brusca, o equilíbrio pede licença. Ah, não fosse a senhora gorda sentada ao lado... Ótimo amortecedor. Depois de muitas desculpas e caras feias a viagem segue.
Quando nosso ambulante desembarca na praia de Tambaú já são quase seis e meia. Ele apruma o peso da mercadoria nas costas e começa a peregrinação pela orla pessoense. De cara, encontra um casal de idosos caminhando. A última coisa que um casal de idosos compraria durante um cooper seria um saco de amendoins, não é? Mas são almas boas, se compadecem de Marinésio e compram não um, mas três saquinhos. E agora? Não tem troco.
-Pode ficar, não tem problema.
Nosso herói agradece a gentileza com um sorriso desfalcado e segue seu rumo. E vão surgindo turistas, mais gente caminhando, concorrentes, crianças de patinete. O calor aumenta, o fardo pesa. Ele olha pro sol como quem implora por piedade, os olhos ardem muito. E segue, segue.
Quando imagina que passou das onze horas, Marinésio, que há muito arenga com uma pontada no estômago, resolve parar pra comer as broas de milho. Pede água num boteco, e o garçom, abusado, enche um copo na torneira. Enquanto mastiga as broas sem gosto, Marinésio pensa: “Hoje vai dar certo!”.
Após o desjejum, a caminhada continua. E vendendo mais, mais, mais. O fardo vai ficando mais leve, o bolso, mais pesado. Enquanto percorre o calçadão, vê uma boneca de plástico jogada, já toda retorcida pelo sol. Lembra das filhas em casa, disfarça a vergonha e se abaixa para pegar o brinquedo, guardando-o na bolsa. Por volta das duas da tarde o calor aperta, impiedoso. Marinésio pára e contempla o mar pela primeira vez, desde que começou sua jornada de hoje. Sente a brisa aliviar as chicotadas do astro-rei, mas é só ilusão. Logo o castigo recomeça. E o pobre vendedor vai andando mais devagar, quase se arrastando. A boca árida pede clemência. Junto de uma lufada de ar, vem um punhado de areia, que incomoda bastante. Um turista estrangeiro observa, penoso, o calvário de Marinésio. Aproxima-se e, por meio de gestos, dá a entender que pretende comprar o restinho de sua mercadoria. Nem era muita coisa, mas fazia tempo que o fatigado ambulante não tinha essa sensação de dever cumprido. Vendera tudo.
Pensava na volta pra casa, mas sentia as pernas desobedientes. Estava totalmente sem forças, acabado, derretido pelo sol. Sentia-se tonto. De repente, como que por mágica, tudo parou. Marinésio teve um pensamento, acompanhado de um calafrio. Nada mais importava, nem o sol, nem o mar, nem o brilho das estrelas. Foi como um lapso temporal, uma sensação indescritível. Ele reuniu o resto do ânimo que tinha e marchou apressado até a barraca defronte. Sob o olhar maldoso dos funcionários, pensou, pensou, pensou; fez contas e mais contas intermináveis. Depois de muito confabular consigo mesmo, meteu as mãos nos bolsos e tirou toneladas de moedas, jogando-as em cima da mesa mais próxima. Sentou-se, piorando ainda mais o semblante dos garçons, e começou a contar aquela infinidade de centavos tão suados. Contou, recontou, conferiu, conferiu de novo, e mais uma vez, e outra, e outra. Então o tempo parou novamente. Se me perguntassem o que é felicidade eu precisaria de uma foto. Uma foto desse momento. Eu, certamente, teria muitas dúvidas sobre o que é medo, apreensão, tristeza... Mas felicidade, agora, seria muito fácil de exemplificar. Marinésio olhou para o garçom que já vinha em sua direção, para expulsá-lo. Olhou com um brilho tão intenso nos olhos que o rapaz estremeceu. Abriu um sorriso tão lindo, mas tão lindo, que, daquele jeito, nunca houvera sido registrado nas praias da Filipéia. Estava longe de ser plástico, é bem verdade. Um sorriso estragado, falho, desfalcado; lindo, sincero, contagiante. Nessa hora o sol amenizou-se, a brisa soprou fresca, o barulho da rua cessou e o mar ficou ainda mais bonito. Marinésio, domando sua euforia da melhor maneira que era possível, conseguiu apenas murmurar:
-Uma cerveja.
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
O personagem
Tenho uma estória interessante na cabeça. Faz exatos 6 meses que tô pensando nela. Já coloquei personagem, tirei personagem, mudei o perfil de cada um deles... enfim...
Hoje tava aqui pensando, vida de personagem é muito ingrata. Eu estaria puto, já. O protagonista da estória já foi pastorador de carro, vendedor de óculos, de amendoim, de castanha, de rede, pedinte... Acho que se ele pudesse ter vida própria em algum momento, certamente haveria de vir tirar satisfações comigo:
-Ô camarada, dá pra você parar com esse tirinete de ficar mudando minhas ocupações, por obséquio? Tá pensando o quê, bicho?
Pobre personagem.
Ah, esqueci de mencionar que nem nome ele tem. Já pensou? Que triste! Eu mudo a ocupação do cara o tempo todo e nem sequer me dou ao trabalho de batizá-lo. Eu sou danado.
O pior é que pensando nisso eu fiquei aborrecido com a insolência do Personagem - Pronto, já ganhou até "p" maiúsculo. Tá aí, todo se fazendo de coitadinho. Vou me vingar, colocar um nome bem sacana nele. Aguardem, que logo eu venho aqui e escrevo tudo.
Hoje tava aqui pensando, vida de personagem é muito ingrata. Eu estaria puto, já. O protagonista da estória já foi pastorador de carro, vendedor de óculos, de amendoim, de castanha, de rede, pedinte... Acho que se ele pudesse ter vida própria em algum momento, certamente haveria de vir tirar satisfações comigo:
-Ô camarada, dá pra você parar com esse tirinete de ficar mudando minhas ocupações, por obséquio? Tá pensando o quê, bicho?
Pobre personagem.
Ah, esqueci de mencionar que nem nome ele tem. Já pensou? Que triste! Eu mudo a ocupação do cara o tempo todo e nem sequer me dou ao trabalho de batizá-lo. Eu sou danado.
O pior é que pensando nisso eu fiquei aborrecido com a insolência do Personagem - Pronto, já ganhou até "p" maiúsculo. Tá aí, todo se fazendo de coitadinho. Vou me vingar, colocar um nome bem sacana nele. Aguardem, que logo eu venho aqui e escrevo tudo.
terça-feira, 18 de novembro de 2008
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