quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Um estranho no ninho

Meu dia começa assim: Perto das sete o despertador toca e eu, preguiçoso, dou-lhe um sonolento tapinha para que deixe de me importunar. Quando o tempo de enrolação chega ao limite, resolvo ceder aos apelos de meu estridente companheiro e me levanto. Gosto de me alongar. Vou calmamente testando meus movimentos, com cuidado para não sucumbir a uma possível soneca que me caia com os cílios abaixo. Todos os movimentos estão ok, as articulações funcionando, a vista alcança até mais do que precisa. Tomo um banho, me arrumo e vou à universidade, munido, é claro, do meu inseparável e high-tech Mp3 player. Sou, pois, um jovem. Teoricamente.
Pois é... Apesar da vista boa, das articulações intactas e de todos os high-techs e Mp3 players, eu sou um jovem apenas teórico. Graças a quê? Às minhas preferências musicais, literárias, cinematográficas, acadêmicas...
Incrivelmente, deu na cabeça das pessoas que todo tipo de expressão cultural necessita de um prazo de validade. Além disso, como se fosse pouco, não apenas é expressamente proibida a audição ou leitura de obras mais antigas, como o herege que se atrever a consumar tal ato está fadado a “incorporar” a idade do material que porventura tenha em mãos.
Sendo prático, muito me estranha ouvir de um amigo:
- Bom dia! O que você está ouvindo aí no seu mp3?
E eu:
- Oi! É o primeiro dos Novos Baianos. Muito bom.
Então...
- Credo! Que coisa de velho!
Aí está, acabaram de me tirar algo muito importante. Das duas uma: Ou não se pode mais ouvir música que não esteja nas paradas de sucesso, ou estão me “expulsando” da minha idade. Ora, daqui a pouco vão me obrigar a usar uns óculos daqueles com as lentes bem grossas, andar com uma fralda geriátrica ou algo que o valha. Aos 22.

Ora, tudo bem que velhice não seja, necessariamente, sinônimo de qualidade, mas daí a limitar-se a lançamentos, em qualquer área, é, no mínimo, um ato de negligência. Quase tudo que é lançado com o nome de novidade, e isso é fato, não passa de uma simples releitura ou, mais raramente, um aprimoramento dos grandes clássicos, seja na música, literatura ou até mesmo na academia. Parece-me muito mais interessante conhecer uma determinada expressão cultural em sua essência do que degustar uma releitura pasteurizada, o que, aliás, se encontra por aí muito facilmente.

O culpado de tudo isso certamente é meu pai, que desde o berço me criou regado a doses de Beatles, Yes, Mutantes. Eis que resolvo visitá-lo por esses dias e, entre uma cerveja e outra, puxo o assunto. Faço toda uma defesa da boa música, dos gloriosos anos 70, dos filmes de Fellini, Louis Malle, Buñuel, Polanski. Falo ainda do preconceito que sofro, por conta de ter uma - pretensa, diga-se - visão mais ampla das artes em geral, e aproveito para alfinetar essa “juventude mal-assessorada” dos dias de hoje, que gosta desses forrós eletrônicos, das micaretas da vida, que perde tempo assistindo programas de gosto duvidoso na televisão, etc, etc, etc. O que papai me responde?
- Meu filho, você está parecendo um velho, falando!
Antes de desmaiar ainda pude ouvi-lo, que tão bem me ensinou a pensar assim, dizer:
- Você precisa dar uma ouvida nesse pessoal novo da black music, nos rappers... Tão aí fazendo o maior sucesso!
O que eu pude concluir disso? Já estava quase encomendando uns óculos (5 graus, no mínimo, de cada lado), juntando um dinheiro para os remédios e pensando no futuro dos meus netinhos quando me deparei com uma frase do genial (e falecido há muitos anos) pintor Pablo Picasso: “Leva-se muito tempo para ser jovem”. Foi aí que eu percebi que, realmente, eu sou um estranho no ninho. Mais uma vez com pretensão – e, claro, um orgulho enorme – me senti jogando no time de Picasso e de meu pai, figuras que tanto admiro. Pessoas normais nascem jovens e morrem velhas. É o curso natural da vida. Pessoas anormais – como papai, Picasso e eu – Nascem velhas para, depois, descobrirem a juventude.

Um comentário:

Mila Costa disse...

Magnífico.
E eu sempre comento seu Blog.Mas comento-o no meu.Agora mesmo vou tecer um comentário.Mesmo horário,na mesma batcaverna.hahahaha.

 
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