segunda-feira, 31 de março de 2014

365 clichês


Eu ganho a vida com duas profissões nas quais se deve evitar ao máximo o clichê. Um jornalista preso a chavões não passará do medíocre; um músico, então, nem se fala...

Esse dia primeiro de abril, porém, marca um ano exato do dia em que mergulhei minha vida em tudo que se diz banal, mas que de banal nada tem.  E é verdade!

Foi quando acordar cedo, mais que obrigação, virou prazer.

Quando as lágrimas se tornaram muito, muito mais frequentes. E, sim, isso é muito legal.

As velhas preocupações, digo com toda a certeza, mudaram de pasta no computador da minha cabeça. Antes motivos para stress e desespero, contas, trabalho, satisfações à sociedade, tudo isso passou de "importante" a "secundário".

"Importante", diga-se, teve sua capacidade esgotada por um ser minúsculo, alguns centímetros, três quilos e um pouquinho, não mais que isso.

Esse pedacinho de felicidade já chegou ocupando todo e qualquer espaço, toda e qualquer atenção, amenizando todo e qualquer problema. Não sobrou espaço para o particular, o urgente, o agora; tudo vem depois, tudo é secundário, eu sou secundário.

E por mais que eu me esforce, é impossível escrever poucas linhas sem cair no lugar-comum, pois o que antes era cafona, agora faz sentido. Amor incondicional, razão de viver, sorriso constante; essas expressões se realizam em você, minha filha, e deixam de ser palavras. O clichê ficou bonito, meu amor, e isso só você teve o dom de realizar. Sob certo prisma, foram 365 dias de pura falta de originalidade, olhando você acordar devagarinho, preguiçosa; vendo você aprender a falar "uva"; acompanhando seus primeiros passinhos (o que aliás é mais um tremendo clichê. Lindo.); e vendo você abrir um sorriso quando apareço na porta, cansado do mundo lá fora.

Ser original é bom, mas ser clichê é muito mais. Basta ser verdade, basta representar fielmente o que diz, então não importa mais dizer o que já foi dito, não há motivo para buscar alternativas, o sentimento se basta.

É isso que tenho a dizer: Estou há 365 dias colecionando frases feitas, amores já cantados, corações que não cabem no peito. Amores, enfim. Você, Lia, é o maior deles. Você é tudo pra mim, de verdade. Que você seja sempre feliz, meu amor.

terça-feira, 11 de março de 2014

Eu me lembro

Eu me lembro, tia, das arengas com Thulio quando criança. Lembro de como tirava seu juízo e você ficava danada comigo.

Lembro também de quando me levou para uma viagem de férias pelo Ceará. Conheci Canoa Quebrada, Sobral, Aracati.

Tempos depois, me recordo - já adolescente - de um carnaval em que não tinha um real no bolso. Você me ofereceu uma grana para eu ajudar a fechar o balancete do mês na sua loja. Começamos a trabalhar na quinta, acho... ainda faltava bastante trabalho no sábado, mas quando cheguei à mesa para retomarmos os cálculos você disse: "Aqui está seu pagamento, vá curtir o carnaval".

Com o tempo, minha chegada à vida de adulto e tudo mais que cerca o amadurecimento de uma pessoa, nos aproximamos bastante. O casamento de seu único filho - um irmão pra mim - deixava você um pouco saudosa, pela ausência. Lembro, ainda com certa surpresa, que você se sentia à vontade para conversar comigo sobre isso e trocamos ideias algumas vezes. Era muito bacana.

Minha rotina de trabalho sempre complicou muito minhas idas a Acari, isso me fez perder ocasiões que jamais desejaria ter perdido. Seu aniversário de 50 anos foi um desses acontecimentos, mas, mesmo assim, me deleitava só de ouvir as histórias das grandes festas.

Por último, minha memória mais bonita, a última vez em que nos vimos. Foi no domingo, dia 10 de março do ano passado. Ninguém tinha combinado nada, mas eu ainda estava na terrinha e você apareceu com Joãozinho; Thulio e Jaiane também chegaram e nós fizemos uma farra ótima, com direito a ligações telefônicas para Deus e o mundo, só pra fazer inveja. Lia estava quase nascendo, Larissa ostentava um barrigão enorme, então podemos considerar a presença dela também, né?

Tocamos violão e tomamos cerveja até quase a noite, quando, tomado por um raro espírito de adulto, chamei Larissa para voltarmos para Natal ainda no domingo, a tempo de descansar para mais uma semana de trabalho.

A despedida não poderia ter sido mais afetuosa. Lembro de ter beijado sua testa, enquanto você repetia que o quartinho para Lia já estaria arrumado da próxima vez que visitássemos o Seridó. Não teve próxima vez, titia. No dia seguinte, assim, apressada como boa filha de Zé Sobrinho, você nos deixou. Eu estava apostando comigo mesmo se conseguiria chegar ao fim desse texto sem derramar uma lágrima, mas não foi possível, acabo de constatar. Menos de um mês depois, minha filha nasceu; falta menos de um mês para o aniversário de um ano dela. A sua imagem é presença constante nos meus pensamentos e nas minhas orações. Eu só queria que você tivesse conhecido ela, só isso, mas Deus não deixou. Me resta ,como consolo, o fato de você ter se tornado nosso anjo da guarda. Tenho plena certeza disso e sei que Lia também tem. Hoje faz exatamente um ano, tia. Que saudade.
 
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