quarta-feira, 7 de abril de 2010

O Bem-te-vi



Era uma vez um Bem-te-vi. Beeeem-te-viiiiiii. Ele fora concebido, chocado e nascido numa belíssima e frondosa árvore. Dessa árvore ele fez suas primeiras tentativas de vôo, e, surpreenda-se, conseguiu. Foi lá que ele construiu suas memórias. De passarinho, é verdade, mas memórias.

E ele foi crescendo, amadurecendo, adultescendo, por que não? Sempre numa invejável simbiose com a árvore. A árvore, seus ramos, seus frutos... aquilo era sua vida. De lá, bem do alto, ele via tudo o que se passava. E a vida seguia calculada, reta, tranqüila.

Um dia saiu a bater asas, abraçando o ar. Deu seu habitual passeio, mergulhou no riacho, tomou sol e cantarolou duas ou três melodias. “Bem-te-viiiii”. E voltou para sua casa.
Qual não foi sua surpresa ao perceber, na volta, a árvore cinzenta, macambúzia. No que pousou, sentiu um espinho machucar-lhe o pé. Mas resolveu deixar de lado, deitou no ninho e dormiu. Estranho mas dormiu.

Dia seguinte, mesma coisa: Passeio, riacho, sol, melodia. E a árvore do mesmo jeito: Cinzenta, macambúzia, espinhenta. E machucou o outro pezinho. O que estava acontecendo?

Dias vão e o Bem-te-vi não sai mais do ninho. Tem medo de se machucar mais e mais e mais. Afinal, a cada dia que passa os ferimentos vem ficando mais fundos, mais doloridos. Ele se sente mal, por não ter mais a forte simbiose com sua tão querida árvore. Seu canto não é mais o mesmo. “Tris-te-viiida”.

Em um fim de tarde qualquer, ele desiste de ficar parado, esperando a vida passar. Sai para mais um passeio, quer ver sua linda árvore de cima, como sempre. No primeiro agitar de asas, mal se deslocara no ar, um espinho corta-lhe o pescoço delicado. Ele sente o sangue molhando as penas do peito, mas precisa continuar. Chega, finalmente, ao ar livre. Voa para longe de sua árvore, de seu espaço, seu bem-querer. Sobrevoa alto, sentindo o ar frio magoar a ferida aberta. De lá ecoa o canto de “Tris-te-vida”. Dolorido, amargo.

O passarinho, bem, o que há de se fazer? Está lá, teimoso, esperando um milagre. Esperando que a árvore retorne ao seu encanto, suas cores bonitas, seus galhos carinhosos. Mas as forças dele parecem estar acabando... a ferida ainda aberta... E ele chora um choro baixinho de “Tris-te-vida”, sem saber se ainda consegue agüentar a dor e o cansaço ou se simplesmente fecha as asas.

Um comentário:

Camila Costa disse...

Quase tão triste quanto lindo.
Gostei das entrelinhas.
As vezes me sinto um pouco árvore, mas normalmente, me sinto muito passarinho.

Um beijo,Cleo.

 
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